ESCOLA PÚBLICA

Maria Cristina Galvão & Verena Giglio

No [escola pública] não há solidão pedagógica

Apresentação

        Este texto foi elaborado com base nas informações obtidas no site da escola, com partes da entrevista concedida pela atual diretora ao Jornal da Educação Pública da Fundação Cecierj – Centro de Ciências do Estado do Rio de Janeiro e complementado com informações colhidas junto à direção, quando retornamos à escola (em 2006) para iniciarmos a pesquisa de campo. Traçamos também um resumo das respostas obtidas nos questionários do SOCED aplicados aos pais, alunos e professores da 8ª série do ano de 2004. Nosso objetivo é consolidar um conjunto de informações que possa servir como pano de fundo da análise a ser desenvolvida a partir da pesquisa de campo retomada em 2006 e que deverá focalizar o clima escolar e os fatores que contribuem para a construção da qualidade do ensino.

        Trata-se de uma escola localizada na cidade do Rio de Janeiro, é um colégio público e atende da classe de alfabetização ao ensino médio. Foi fundado em 1948 pela universidade a que está ligada com a missão de ser uma escola para a experimentação de novas práticas pedagógicas e para a formação de futuros professores (escola de aplicação). Possui 731 alunos, distribuídos da seguinte forma: 33 % nas séries iniciais do ensino fundamental (C.A. a 4ª série), 31 % no 2º segmento do ensino fundamental (5ª a 8ª série) e 36 % freqüentando o ensino médio; sendo duas turmas por série com exceção do C.A. e das séries do ensino médio, com 3 turmas.

Uma escola de licenciatura

        A análise da sua página não oferece muitas informações porque está sem atualização – a maioria dos dados são antigos com notas sobre eventos já ocorridos, com exceção das notícias sobre o ingresso de alunos e o último concurso para professores. Estando esta escola ligada a uma universidade, destacamos aqui a missão desta universidade, divulgada na página da mesma: proporcionar à sociedade brasileira os meios para dominar, ampliar, cultivar e difundir o patrimônio universal do saber humano, capacitando todos os seus integrantes a atuar como força transformadora.

        A partir de entrevista citada anteriormente e concedida pela atual diretora do colégio, empossada em janeiro de 2006, pudemos identificar alguns aspectos da política institucional desta escola: sua política de direção, coesão institucional e ação e mobilização dos atores.

 
•        O que a diferencia de outras escolas seria a forma de gestão: planejamento coletivo, com cada departamento tendo autonomia para definir suas diretrizes curriculares, com discussões interdisciplinares, em reuniões abertas, coletivas.
•        As propostas são levadas às instâncias democráticas que decidem os rumos da instituição. Um exemplo seria a forma de acesso modificada – até 1997 através de prova e a partir de então por sorteio.
•        Os alunos são estimulados a se envolverem num exercício de autonomia, uma vez que as decisões são tomadas em colegiado. A direção pretende oferecer espaço para que se organizem, para que se sintam comprometidos com a escola, com seu papel no quadro do ensino público no Brasil, com a coisa pública, e inclusive com seu papel na formação de futuros professores.

          Estando de posse de poucos dados para esclarecer com mais precisão os objetivos da escola, aproveitamos o contato que tivemos com a atual direção, quando do nosso retorno ao colégio. Esta conversa ocorreu em abril do corrente ano e pudemos elucidar as metas da instituição nas palavras da diretora 1 : “É uma escola de licenciatura, não consideramos que temos uma turma de 5ª série, mas uma turma de licenciandos que faz estágio na 5ªsérie ... não tem como objetivo ser a melhor escola para o vestibular, quer ser a melhor escola onde um estagiário possa se formar. Há professores que acreditam muito mais na missão de boa formação no ensino básico, do que na formação de professores. No ano passado foram 360 estagiários, um para cada dois alunos”.

        A direção afirma que o Projeto Político Pedagógico da escola vai se formando no dia a dia. Todo início de ano há um seminário de planejamento, no ano passado o tema foi inclusão. Este ano não teve seminário, não deu tempo, mas fizeram uma semana com três plenárias, onde discutiram o perfil da licenciatura. Os estagiários têm aula de didática especial, as aulas são no próprio colégio, são ao todo 19 áreas. Algumas licenciaturas não são atendidas porque são do turno da noite na universidade, são elas: matemática, física e química. Os professores discutem seu planejamento com os licenciandos, a partir do primeiro mês eles já dão aulas. Eles não planejam apenas as aulas que dão, eles planejam uma unidade inteira e dão parte das aulas. Ela mesma já teve três turmas da mesma série com conteúdos diferentes ao longo do bimestre, para atender aos licenciandos. Os professores desta escola têm que construir uma sala de aula onde haja abertura para o licenciando. O espaço da sala de aula deixa de ser um espaço de ensino básico: “Não é a minha turma, é minha turma, mais o professor de prática de ensino e mais os licenciandos. A sala de aula é um espaço de articulação, de disputa, um espaço compartilhado. Os estagiários entram alunos e saem realmente professores, eles vão construindo uma responsabilidade que não têm. A sala dos professores tem que estar à serviço deles”. Mesmo que o aluno seja de outra universidade, o estágio é de um ano e seu professor de prática tem que comparecer ao colégio. Poucas instituições se adaptam às exigências da escola, por isso quase não há estagiários que não sejam da própria universidade, mas são aceitos se cumprirem as regras. Eles são vistos como parte integrante da escola, participam de tudo, assistem aos conselhos de classe e são estimulados a vivenciar integralmente o colégio, é um estágio de imersão.

        Existe uma Resolução da Universidade sobre licenciaturas, que foi feita a partir de um grupo, mas nunca foi publicada. A escola tem uma história oral a diretora destaca que não se registrou nem a legislação. Não há uma documentação organizada sobre a história da escola, sobre o trabalho desenvolvido; entretanto, existem artigos publicados sobre as áreas do currículo. Mas os grupos criaram um respeito pela tradição, pelas pessoas, pela história oral.

        Relembramos que estas informações representam uma análise parcial das metas da escola, pretendemos com a pesquisa de campo confirmar ou não esta percepção.

        No survey – Os dados apresentados abaixo sobre pais, alunos e professores estão sempre comparados aos dados gerais do SOCED.

As famílias dos alunos da 8ª série no questionário do SOCED

        As informações apresentadas abaixo referem-se ao conjunto de 33 (34%) famílias de alunos que responderam ao questionário.2

        A proporção de pais casados é de 67%, este é um percentual equivalente aos das outras escolas, excetuando-se as escolas alternativas e a outra escola pública, que apresentam um percentual de menos de 44% dos pais neste estado civil. Encontramos filhos únicos em igual proporção a dois filhos, nas demais escolas predominam dois filhos.

        Possuem menos titulações de mestrado e doutorado que os pais das outras escolas, mas a maioria (73%) tem ensino superior ou especialização.

        A maior parte mora em imóveis próprios já pagos, embora em proporção um pouco inferior a média geral. Um percentual de 65% das famílias possuem renda mensal entre 2 mil a 8 mil reais e 26% recebe mais de 8 mil reais. Quase a metade (46%) viajou para o exterior nos últimos três anos. Afirmam que a escolarização dos filhos não impõe sacrifícios à família (85%), a maioria gasta até 5% do orçamento familiar com este item; este representa um gasto menor que a maior parte das famílias que responderam ao survey, resposta coerente com o fato de tratar-se de uma escola pública.

        ESCOLHA DA ESCOLA: o fato de oferecer uma boa formação cultural, foi a razão 100% marcada para a escolha desta escola. Esta motivação foi seguida pelo reconhecimento de tratar-se de uma escola de prestígio e seus alunos terem uma boa aprovação no vestibular. Esta escola apresentou o menor percentual de pais (39%) que valorizam a proximidade entre escola e residência.

        A ESCOLA DEVE PROPICIAR: Dentre as opções3 para esta questão sobressaem para estes pais, adquirir senso crítico (97%) e ter uma boa formação cultural (97%). Ressaltamos que estes itens também foram os mais escolhidos em mais quatro escolas do survey.

        ATITUDES EM RELAÇÃO ÀS TAREFAS ESCOLARES: Com relação a acompanhamento, um terço (33%) afirma só interferir quando os filhos pedem ajuda, mas um percentual próximo (27%) respondeu que acompanha os trabalhos mesmo quando o filho não solicita. Percebe-se assim uma diferença neste grupo de pais nas atitudes quanto às tarefas escolares. Quando os resultados não são bons, a maioria oferece apoio nos estudos, como fazem também os pais das outras escolas.

        Conhecem mais os colegas (75%) e os pais dos colegas (46%) do que professores (37%), coordenadores (37%) e diretor da escola (30%). É a única escola onde os pais conhecem mais os colegas dos filhos e os pais dos colegas do que diretores, coordenadores e os próprios professores dos filhos.

Os alunos da 8ª série no questionário do SOCED

        Os questionários foram respondidos por 65 alunos, o que corresponde a 100% da 8ª série de 2004. Nossa pesquisa investigou a última leva de alunos que ainda faziam prova para ingressar nesta escola. A 8ª série de 2006 é a primeira composta por alunos que ingressaram na 1ª e na 5ª série através de sorteio de vagas.

        Semelhante ao encontrado nas outras escolas pesquisadas, além de um número ligeiramente maior de meninos, os alunos estão na faixa etária considerada adequada à série e a maior parte (46% para esta escola e para os outros colégios) tem apenas um irmão.

        Possuem no quarto: mesa para estudo (80% - proporção ligeiramente menor que nos outros colégios: 84%). Também possuem TV: 77% e computador: 66%.

        Viajaram menos para o exterior que alunos das outras escolas: 63% nunca viajou e nas outras escolas pesquisadas aqueles que não viajaram estão na proporção de 45%.

        Em comparação com as outros colégios pesquisados4 (68%) mais alunos desta escola fazem curso de língua estrangeira, 82% responderam afirmativamente a esta pergunta. Lembramos que participam da pesquisa duas escolas bilíngües (talvez por isto seus alunos não freqüentem cursos de língua estrangeira). Mais alunos, também, declaram ter um bom conhecimento de inglês, apresentando esta resposta os mesmos percentuais da resposta da questão anterior (82% x 68%); entretanto, os alunos da escola bilíngüe, devem ter mais conhecimento deste idioma do que os alunos da escola em questão. Esta resposta tem que ser entendida dentro do contexto em que os alunos desta escola pública estão inseridos, onde eles percebem ter um conhecimento maior de inglês que os outros.

        Está entre as três escolas com mais alunos praticando esportes (77%), mais precisamente, ocupa o 2º lugar com a escola judaica; a escola bilíngue que participa da pesquisa de campo está em primeiro lugar neste quesito (84%).

        Quanto aos hábitos de leitura, 82% lêem livros de ficção, só é suplantada pela escola bilíngue, onde 100% dos alunos afirmam ter este hábito. Quanto à leitura de jornais, 99% nunca a realizam5 , em compensação é o colégio com mais alunos assistindo jornais e noticiários (91%). Em relação aos programas de televisão que assistem, os filmes e seriados foram escolhidos pela grande maioria (97%), os programas de auditório foram os menos escolhidos, com um percentual de apenas 37%. Das nove escolas do survey, sete indicaram os filmes e seriados como os programas mais assistidos pelos alunos e todas deram os percentuais menores para os programas de auditório.

        Um percentual de 85% nunca repetiu de ano, 54% nunca teve professor particular e consideram suas notas na média, apesar de afirmarem estudar apenas entre 1 a 3 horas semanais. Vale ressaltar que nesta escola pública um percentual quatro vezes menor de alunos declarou ter notas abaixo da média (3% x 13%).

        Aqueles que contaram com o auxílio de professor particular o fizeram porque 90% acharam necessário (percentual bem próximo ao dos outros colégios - 88%). Em contrapartida, 93% dos seus pais também acharam necessárias as aulas particulares, enquanto nas outras escolas, apenas 53% dos responsáveis pensaram o mesmo. A maior parte das aulas foi para apenas uma matéria (73%) e no período de provas (47%).

Respostas dos professores aos questionários

        Participaram da pesquisa 25 professores, o que corresponde a ..... % do total de professores da 8ª série do colégio. É a escola onde os professores são mais novos, 42% tem de 30 a 39 anos; ; possui o menor percentual (13%) de professores com mais de 50 anos. Quanto à titulação, é a escola que possui mais professores com mestrado (56%); este percentual representa mais que o dobro da média das outras escolas.

        Estes professores formaram-se há menos tempo que os das outras escolas, 33% tem de 6 a 15 anos de formados. Além disso, 52% trabalham a menos de cinco anos na escola e 64% trabalham apenas neste colégio. Após a Escola Bilíngüe, as públicas são as escolas com o maior percentual dos docentes com apenas um local de trabalho. Destaca-se também o percentual de professores (80%) com regime de 40 horas com dedicação exclusiva, das quais, 12 h/aula em turma e 18 h/aula dedicadas à pesquisa e extensão. Os professores desta escola pública têm a menor carga horária semanal de aulas.

        Metade dos professores recebe um salário bruto entre 1200 e 2800 reais, 38% fica na faixa de 2801 a 4400 reais e apenas 13% recebe mais de 4400 reais. Nas outras escolas, 41% ganha acima de 4400 reais. O colégio tem o menor percentual (36%) de professores que considera o seu salário acima da média. As públicas apresentam o menor número de professores ganhando acima de 4400 reais e juntamente com as alternativas, são as escolas onde os professores viajaram menos para o exterior.

        Quanto às características dos alunos: a) há um percentual mais elevado de professores (71% x 43%) que os considera estudiosos6 – este mesmo percentual aparece também na Escola Bilíngüe; b) há ainda mais professores considerando seus alunos críticos (96%) – juntamente com as alternativas, é a escola onde há mais professores destacando a capacidade crítica dos alunos; c) está entre as quatro escolas que apresentam o menor percentual de professores que percebem os alunos como arrogantes – resultado convergente com o da outra escola pública (16% x 18%).

        Ao responder sobre as características dos colegas de trabalho, 76% afirmaram que a maioria é comprometida com que todos os alunos aprendam, a média das outra escolas para este item foi de 91%. E apenas 52% indicaram que a maioria assume a responsabilidade de melhorar a escola e sente-se responsável pelos resultados dos alunos.

        As públicas são as escolas onde na percepção dos professores há menos colegas comprometidos com que todos alunos aprendam, menos colegas assumindo a responsabilidade de melhorar a escola e sentindo-se responsáveis pelos resultados escolares.

Ainda no colégio

        Apesar da informação coletada pelo survey e relatada no parágrafo anterior, há que se considerar o entusiasmo e atenção dos professores desta escola pública que assistiram nossa exposição com a análise inicial das respostas do survey. Empenharam-se em reflexões e levantamentos de hipóteses, demonstrando total envolvimento com a escola em que trabalham. Este mesmo entusiasmo percebemos nas considerações tecidas pela atual diretora do colégio, quando estivemos na escola para combinarmos o retorno ao campo. Com empolgação ela esclareceu que 80% dos professores são do regime de 40 horas com DE (dedicação exclusiva) e dão 12 horas/aula porque no resto do tempo eles participam dos conselhos de classe, dão apoio, têm plenária pedagógica, reuniões de série e fazem extensão, isto é, dão cursos na rede estadual, aos sábados.

        Há um empenho em dar liberação integral para os professores que são aprovados para cursos de mestrado ou doutorado. As respostas aos questionários comprovaram que 56% dos professores desta escola têm mestrado e apenas 24% das outras possuem a mesma titulação. À escola interessa que o professor se torne um pesquisador, porque eles precisam desta postura para trabalhar com os licenciandos.

        Esta conversa terminou com a diretora enfatizando que esta escola pública é uma escola de excelência porque é um espaço de troca, o professor gosta de ir para lá porque há espaço para discutir. Nos conselhos de classe há um espaço de duas horas para discussão de cada turma. E finaliza: Nesta escola não há solidão pedagógica.




1 Utilizamos itálico quando reproduzimos falas da atual direção.

2 A solicitação de preenchimento dos questionários foi feita por carta e pelo envio do material através dos próprios alunos, não houve contata direto com os pais nesse processo.

3 As opções para a pergunta do que a escola deve propiciar eram: sucesso acadêmico, aprenda o valor do esforço, seja capaz de ter objetivo, seja feliz, adquira senso crítico, aprenda a respeitar as regras e tenha uma boa formação cultural.

4 O percentual indicado entre parênteses representa a média das outras oito escolas do survey.

5 Percentual semelhante a todas as escolas da mostra, com exceção de uma escola bilíngue e uma confessional que apresentaram percentuais bem menores de alunos declarando que nunca lêem jornais; os percentuais foram, respectivamente, 21% e 13%.

6 Corroborando esta característica, esta escola posiciona-se entre as três com menos alunos fazendo seus deveres de casa com atraso.